2020, 24 de Fevereiro

A IMPORTÂNCIA DE NOS RIRMOS

Um dia, numa aula do primeiro ano, a professora pediu-nos que escrevêssemos numa folha aquilo que queríamos ser quando crescêssemos. Entre médicos, futebolistas e bailarinas, lembro-me particularmente de um miúdo de franja e camisa larga que se pôs à frente da turma e leu do seu papel amachucado: “quando for grande quero passar os dias a rir”. Na altura aquilo levantou um burburinho em tom de desdém e valeu-lhe um sermão da professora por não ter entendido o objetivo do trabalho. Mas o que é facto é que o tempo passou e entre aquele amontoar de sonhos e projetos foi o dele que me ficou na cabeça. Entretanto, eu própria percorri todo o espetro de profissões, desde sonhar trabalhar com um pincel a querer operar com o bisturi. Porém, cada vez que mudava de plano, voltava àquela certeza, pouco ou nada planeada, de que onde me sentia verdadeiramente realizada era na espontaneidade de uma gargalhada. Tivesse o que tivesse, que sentido faria viver se não fosse para dar a vida? Como é que um sorriso de uma criança ou “obrigado” entre dentes me enchiam mais do que um vinte na pauta? Sabia muitos factos históricos, mas nada me arrepiava como a história de vida daquela pessoa já velha contada entre a narrativa de palavras repetidas. Às vezes espantava-me, e ainda me espanta, o contraste entre os escritórios iluminados e organizados da capital e o desprendimento de algumas terras mais pobres onde “o último a dormir apaga a lua”. Cada vez mais tenho a certeza de que vivemos para dar, e é dessa simplicidade que nascem as gargalhadas mais sinceras, os sorrisos tortos e sem jeito e os olharem que, desvalorizando as palavras, mudam o mundo. Talvez seja por isso que, de vez em quando, me lembro do tal miúdo que só queria ser feliz e do discurso da professora do primeiro ano. Não sei se ele percebeu o objetivo do trabalho, mas tenho a certeza que descobriu o propósito da vida.

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